sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A cor do batom

As borboletas que ele lhe dava a sentir na barriga deram-lhe um filho…e foi tudo o que ele lhe deu, as borboletas que voaram e fugiram, e o filho que não conheceu..
De aliança no dedo e com a promessa de que seriam felizes para sempre…

Ele tinha um percurso profissional de excelência. O que ganhava era suficiente para ambos. Ela deixou o trabalho que até a realizava, por ele, pelo filho.
Ela vivia para ele, em função dele e ainda assim, tudo o que fazia era insuficiente e medíocre.

O primeiro sinal surgiu quando ela simplesmente mudou a cor do batom. Como? Sem lhe pedir a opinião? Par quê, se ele a queria com a cor de sempre? E vermelho? É cor de p…!
Depois vieram outros sinais…uma gargalhada despropositada, um jantar com as amigas que queria tanto ir e ao qual não lhe foi dada permissão…
Um empurrão para a colocar no lugar, um estalo para acordar e ter a certeza de que ali, ali não era ninguém!
Ali não lhe era permitido ser mulher!
Aos olhos dele, ela era a sua servente.

Um casamento, um filho no ventre e uma prisão, da qual não sabia como fugir.
Tinha vergonha. Afinal onde estava aquela mulher forte, que até tirou um curso superior, frequentou aulas de autodefesa e que era feliz, realizada e independente?
Agora era apenas uma amostra de tudo o que fora…

Malditas borboletas que a cegaram. Maldita a esperança que ouviu sempre, ser a última a morrer. Não foi.
Tinha vergonha de se queixar. Não podia, ela aceitou-o com a promessa que seria amada e respeitada…e acreditou até ao fim..

A barriga cresceu, mas as dores da alma superavam sempre as dores físicas, e se estas eram muitas.
Disfarçava-as com a maquilhagem só permitida por ele, para esconder a sua demência.
Disfarçava-as com o seu sorriso triste que era suspeito aos olhos de alguns.
Perguntavam, desconfiavam. Respondia sempre que não. Que era apenas o cansaço da gravidez…

Uma noite, mais uma em que ele chegaria tarde, ela sentia-se extremamente cansada. Estaria para breve o nascimento do seu filho, seria isso? Adormeceu.
Acordou, sentiu escorrer sobre si qualquer coisa quente, sentia-se zonza. Abriu os olhos e só o via a ele. Estava zangado, muito zangado.
Gritava qualquer coisa sobre o jantar e o fato dela ser uma p… que nada fazia!

…Ah sim, o jantar…adormeceu de cansaço e não acordou até agora…
Ele continuava aos gritos. Ela lembra-se da dor forte no baixo ventre, de estar zonza…tentou dizer-lhe, mas a voz sufocava.
Olhou melhor, entre os olhos que mal conseguia abrir e viu a cor vermelha na almofada, a mesma do batom que usara apenas uma vez.
Não era batom…

O filho que afinal é uma filha, ainda hoje guarda um bilhete, que o médico que a viu nascer recebeu da sua mãe, entregue às escondidas do pai…disse-lhe o médico que, quando o guardou, estava molhado pelas lágrimas da mãe, mas tinha um cheiro a esperança no futuro.

O bilhete dizia apenas: meu amor, entre um homem e uma mulher só o coração pode bater. Sê feliz.

Para ela, a esperança não foi a última a morrer e isso levou-a.

(Esta é uma história que escrevi sem me basear em fatos reais. Escrevi-a para servir de alerta!)


2 comentários:

  1. Infelizmente há inúmeras situações que, a todo os custo, se tenta esconder atrás da maquilhagem.....

    ResponderEliminar